sexta-feira, 3 de junho de 2011

Esquizofrenia por Regina Cláudia Barbosa da Silva






Diversos avanços, incluindo: a definição objetiva e uniformização dos sintomas e critérios diagnósticos para esquizofrenia; o advento das drogas antipsicóticas e a caracterização de seus mecanismos de ação e padrões de respostas; e, por fim, a identificação de anormalidades biológicas na doença,tem em conjunto, tornado possível o surgimento de classificações mais precisas de subtipos esquizofrênicos, que levam em conta, características de curso, resposta a tratamento, prognóstico e substrato patogênico;

Os primeiros sinais e sintomas da doença aparecem mais comumente durante a adolescência ou início da idade adulta. Apesar de poder surgir de forma abrupta, o quadro mais freqüente se inicia de maneira insidiosa. Sintomas prodrômicos pouco específicos, incluindo perda de energia, iniciativa e interesses, humor depressivo, isolamento, comportamento inadequado, negligência com a aparência pessoal e higiene, podem surgir e permanecer por algumas semanas ou até meses antes do aparecimento de sintomas mais característicos da doença. Familiares e amigos em geral percebem mudanças no comportamento do paciente, nas suas atividades pessoais, contato social e desempenho no trabalho e/ou escola;

Alucinações e delírios são freqüentemente observados em algum momento durante o curso da esquizofrenia. As alucinações visuais ocorrem em 15%, as auditivas em 50% e as táteis em 5% de todos os sujeitos, e os delírios em mais de 90% deles;

Os transtornos do conteúdo do pensamento são os delírios. Os transtornos na forma de pensamento podem ser subdivididos em duas categorias: perturbação intrínseca do pensamento e, transtorno na forma em que os pensamentos são expressos na linguagem e na fala. A linguagem e o discurso desordenados descarrilamento, tangencialidade, neologismos, pobreza no conteúdo do discurso, incoerência, pressão da fala, fuga de idéias e fala retardada ou mutismo.

Os distúrbios do comportamento na esquizofrenia incluem comportamento grosseiramente desordenado e comportamento catatônico. A catatonia é definida como um conjunto de movimentos, posturas e ações complexas cujo denominador comum é a sua involuntariedade. Os fenômenos catatônicos incluem: estupor, catalepsia, automatismo, maneirismos, esteriotipias, fazer posturas e caretas, negativismo e ecopraxia;

Pacientes com esquizofrenia demonstram um déficit cognitivo generalizado, ou seja, eles tendem a ter um desempenho em níveis mais baixos do que controles normais em uma variedade de testes cognitivos. Eles apresentam múltiplos déficits neuropsicológicos em testes de raciocínio conceitual complexo, velocidade psicomotora, memória de aprendizagem nova e incidental e habilidades motoras, sensoriais e perceptuais;

As causas da esquizofrenia são ainda desconhecidas. Porém, há consenso em atribuir a desorganização da personalidade, verificada na esquizofrenia, à interação de variáveis culturais, psicológicas e biológicas, entre as quais destacam-se as de natureza genética.

A esquizofrenia é uma desordem hereditária. Uma relação clara pode ser encontrada entre o risco de esquizofrenia e o grau de parentesco a uma pessoa com esquizofrenia. Muitos estudos epidemiológicos mostram que indivíduos que possuem parentes em primeiro grau com esquizofrenia possuem um risco aumentado em desenvolver a doença. Embora as estimativas variem, a taxa de concordância para esquizofrenia em gêmeos idênticos é ao redor de 50 % e, para gêmeos dizigóticos, é da ordem de 12 %, sendo significativamente maior que o 1 % de risco da população geral;

A teoria dopaminérgica da esquizofrenia foi baseada na observação de que certas drogas tinham habilidade em estimular a neurotransmissão da dopamina (DA). Constatou-se que a droga psicoestimulante anfetamina, quando administrada em doses altas e repetidas, causa uma psicose tóxica com características muito semelhantes às da esquizofrenia paranóide em fase ativa. Sabe-se que essa droga atua nos terminais dopaminérgicos aumentando a liberação de DA, além de impedir sua inativação na fenda sináptica, por inibir o mecanismo neuronal de recaptação existente na membrana pré-sináptica. Assim, é possível que os sintomas esquizofreniformes - grande agitação psicomotora, alucinações auditivas, e idéias delirantes do tipo persecutório - sejam devidos ao excesso de atividade dopaminérgica determinado pela anfetamina. Sabe-se ainda que o efeito antipsicótico de drogas como a clopromazina e o haloperidol deve-se a ação dessas drogas em bloquear a atividade dopaminérgica;

Existem vários estudos sugerindo que eventos de ocorrência precoce, durante a vida intra-uterina ou logo após o nascimento, podem ser de importância fundamental na etiologia de uma parcela dos casos de esquizofrenia, interferindo no desenvolvimento normal de determinadas estruturas cerebrais e tornando o indivíduo vulnerável ao surgimento mais tardio dos sintomas da doença. A má nutrição do feto, envolvendo especialmente redução no suprimento de oxigênio, iodo, glicose, e ferro podem levar a prejuízos no desenvolvimento do sistema nervoso central (SNC). O nascimento prematuro extremo (ex. antes de 33 semanas gestacionais) parece aumentar o risco para a esquizofrenia;

Por volta da metade da década de 1970, diversos estudos utilizando a recém-desenvolvida técnica de tomografia computadorizada (TC) de crânio passaram a detectar sinais consistentes de atrofia cerebral, incluindo alargamento dos ventrículos cerebrais (mais pronunciado em cornos posteriores) e aumento de sulcos corticais numa proporção considerável de pacientes esquizofrênicos crônicos e agudos, independentemente de fatores não-específicos como idade, uso de neurolépticos e eletroconvulsoterapia (ECT);

A descoberta de alterações estruturais nos lobos temporais mediais tem despertado particular interesse. A idéia de que alterações nestas áreas estão relacionadas com a gênese de sintomas esquizofrênicos já vinha sendo considerada uma vez que psicoses esquizofreniformes são freqüentes em pacientes com epilepsia do lobo temporal;

A partir da década de 40, teorias psicológicas tentando explicar a esquizofrenia a partir de relacionamentos familiares patológicos e padrões de comunicação interpessoal aberrantes ganharam força, influenciando certas escolas do pensamento psiquiátrico. Em 1948, Fromm-Reichmann introduziu a idéia da “mãe esquizofrenogênica”, observando que determinados padrões de comportamento materno, incluindo hostilidade e rejeição, pareciam ser freqüentes em mães de pacientes que desenvolviam esquizofrenia, entretanto a falta de comprovação empírica fez com que caísse em desuso. Duas frentes em particular têm demonstrado, de forma convincente, que, se fatores psicossociais não estão primariamente relacionados com a etiologia da doença, certamente influenciam a forma de aparecimento e o curso dos sintomas esquizofrênicos. Uma destas correntes diz respeito ao ambiente familiar de pacientes esquizofrênicos. O conceito de emoção expressa (EE) tornou-se particularmente importante nesta área, sendo usado para definir determinados tipos de atitudes hostis ou do excesso de envolvimento emocional por parte de familiares de esquizofrênicos;

Diversos modelos têm procurado integrar os aspectos psicossociais descritos anteriormente aos aspectos biológicos da etiologia da esquizofrenia. Dentre estes, o modelo da “vulnerabilidade versus estresse” parte do princípio que pacientes esquizofrênicos apresentam uma vulnerabilidade para a doença de caráter biológico (genética e/ou decorrentes de insultos ambientais precoces), mas reconhecem também que o deflagrar dos sintomas pode ser diretamente influenciado pelo grau de estresse psicossocial ao qual o indivíduo é submetido. Dentro deste prisma, forma, intensidade e curso dos sintomas esquizofrênicos são vistos como um balanço entre o grau de vulnerabilidade biológica do paciente e a intensidade de estresse ambiental. O modelo “vulnerabilidade – estresse psicossocial” integra aspectos biológicos e psicossociais da doença, e justifica a necessidade de uma abordagem mais global ao tratamento do paciente esquizofrênico, levando em conta não só a eliminação dos sintomas, mas também o controle e prevenção de fatores ambientais estressores;

Até o início dos anos cinqüenta, os recursos de que se dispunha para tratar os doentes psicóticos eram muito limitados e a única solução era confiná-los em grandes hospitais ou asilos, de onde muitos não podiam mais sair. O fator fundamental dessa mudança foi a introdução dos medicamentos antipsicóticos, também conhecidos como neurolépticos, ou tranquilizantes maiores; A descoberta dos neurolépticos, no ano de 1952, marca o início da Psicofarmacologia contemporânea. Nessa época, o cirurgião francês Henri Laborit utilizava uma mistura de drogas, que denominava “coquetel lítico”, para abrandar reações neurovegetativas de pacientes submetidos a cirurgias prolongadas realizadas a baixas temperaturas – a assim chamada “hibernação artificial”;

A clorpromazina foi administrada a pacientes internados por longo tempo em hospitais psiquiátricos. Surpreendentemente, muitos desses pacientes apresentaram melhora considerável, e puderam mesmo retornar ao convívio social. Em especial, os sintomas psicóticos característicos da esquizofrenia eram aliviados após algum tempo de uso da droga;

A utilização da clorpromazina revolucionou o tratamento dos pacientes esquizofrênicos, já que resultou em melhora significativa de 50-75% e quase 90% destes indivíduos apresentaram algum beneficio clínico decorrente do uso deste fármaco;

Os neurolépticos podem ser divididos em dois grupos de acordo com sua potência. Assim, temos os antipsicóticos de “alta potência” (como o haloperidol, flufenazina, trifl uoperazina, tiotixene) e os de “baixa potência” ou sedativos (como clorpromazina, tioridazina etc);

Por bolquearem receptores dopaminérgicos estriatais, os antipsicóticos típicos podem produzir o aparecimento de efeitos adversos extrapiramidais. Estes incluem a síndrome de Parkinson, reações distônicas agudas, acatisia, acinesia e síndrome neuroléptica maligna. A incidência desses efeitos é bastante elevada, chegando até a 90 % em alguns estudos, e costuma ocorrer nas primeiras semanas de tratamento;

A acatisia refere-se ao estado de desconforto intenso nos membros inferiores, acompanhado de incapacidade de ficar com as pernas paradas. No entanto, o efeito adverso motor mais temido dos neurolépticos é a discinesia tardia. Ela é caracterizada por movimentos esteriotipados involuntários, principalmente da face, como sucção com os lábios, movimentos laterais da mandíbula e movimentos anormais da língua, descritos como flycatching; Pode também envolver movimentos coreiformes de braços, troncos ou pernas;

Os neurolépticos atuam também na periferia do organismo, afetando o sistema nervoso autônomo. Assim, bloqueiam os receptores da acetilcolina, do tipo muscarínico, levando a sintomas como secura da boca e da pele, midríase e dificuldade de acomodação visual, taquicardia, constipação intestinal e retenção urinária;

Atualmente, os esforços concentram-se na busca de antipsicóticos com menos efeitos extrapiramidais e que sejam eficazes no tratamento dos sintomas negativos da esquizofrenia, denominados antipsicóticos atípicos, a exemplo da clozapina, risperidona, olanzapina, quetiapina, ziprasidona e mais recentemente o aripiprazol;

Na clínica, a clozapina é igual ou superior aos antipsicóticos clássicos na melhoria dos sintomas positivos da esquizofrenia, mas também mostra efeitos em sintomas negativos. Além disso, 60% dos pacientes que não respondem a neurolépticos típicos podem apresentar melhora com o seu uso. O maior problema desta droga, no entanto, é o aparecimento eventual de agranulocitose;

Enquanto a medicação neuroléptica pode reduzir os sintomas positivos e prevenir recaídas psicóticas, o apoio psicoterapêutico e o treinamento de estratégias de enfrentamento e manejo de situações de vida ajudam o paciente a adaptar-se ao ambiente e a enfrentar o estresse, sendo que as intervenções familiares e sócio-profissionais modificam fatores ambientais de acordo com a capacidade do paciente;

Antes da década de 1970, as psicoterapias individuais e de grupo para a esquizofrenia baseavam-se geralmente em teorias psicodinâmicas ou, ainda, em teorias que consideravam que a esquizofrenia seria causada por padrões patogênicos de comportamento ou de comunicação da família do indivíduo;

Na década de 1980, surgiram ensaios controlados de intervenções psicológicas projetadas para promover a aquisição de habilidades sociais e reduzir recaídas, melhorando a atmosfera familiar. Seus resultados positivos foram bem-recebidos e promoveram um interesse maior nas terapias psicológicas para essa população As intervenções psicológicas afastaram-se do foco em classes tradicionais de diagnóstico psiquiátrico, voltando-se para um foco detalhado nos fenômenos da experiência e do comportamento associados à esquizofrenia. Intervenções sobre sintoma único foram combinadas com estratégias globais de tratamento como parte do desenvolvimento da terapia cognitivo-comportamental, que veio acompanhada por uma necessidade de maior precisão na medida de sintomas individuais para planejar tratamentos. Inicialmente surgiram resultados promissores em relatos de casos e estudos não-controlados;

Os modelos experimentais de doenças mentais foram desenvolvidos para tentar prever a ação terapêutica de um determinado fármaco, mesmo que os mecanismos fisiopatológicos fossem quase nada compreendidos. Nesse contexto, Paul Willner propôs, em 1984, critérios crescentes e hierárquicos, conforme o tipo de validade que o modelo pode atingir;

As dificuldades próprias de um modelo de esquizofrenia que abranja toda a complexidade da doença parece irrealizável. A esquizofrenia provavelmente tem múltipla etiologia, envolvendo interações entre fatores genéticos e ambientais e produzindo complexa disfunção nervosa. Além disso, envolve funções superiores, como abstração e linguagem, impossíveis de serem acessadas em animais. Talvez, por isso as tentativas de modelos experimentais causaram pouco impacto e algum ceticismo.

Fonte: SILVA, Regina Cláudia Barbosa da. Esquizofrenia: uma revisão. Psicol. USP [online]. 2006, vol.17, n.4, pp. 263-285. ISSN 0103-6564

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